Por Stella Benevides
Não faz muito tempo, falei aqui sobre os carroceiros da cidade e seus cachorros, anjos de fidelidade que não abandonam seus companheiros por nada e que, por não terem consciência do que é “pobreza”, vivem tão ou mais felizes do que um cachorro de madame. Falei também que essa gente e esses cachorros são “invisíveis” pra maioria das pessoas.
Acho que vocês se lembram.
Se não lembram, entendem o que eu estou dizendo.
Pois é.
Acontece que eles são invisíveis. Mas experimente dar publicamente alguma atenção a eles pra ver se um monte de gente não vai te notar.
Eu dou atenção. Passo quase toda tarde ali, embaixo do viaduto onde eles se reúnem. Conheço todos pelo nome, tanto carroceiros quanto cachorros. Os cães, pego no colo, arranco carrapatos com a unha, dou comida na boca.
Pior são os que vivem sozinhos pela rua, nas praças e nos parques, que nem um carroceiro como protetor têm. São todos vítimas de abandono ou, na melhor das hipóteses, de negligência. Sim, porque cachorro não brota da terra, feito grama, né? Se ele está ali, a culpa é de alguém.
Também cuido de alguns assim. Às vezes levo no veterinário, já paguei tratamentos e castrações. Ninguém me pede. Ninguém me dá prêmio e nem me entrevista pra TV por isso. Faço porque eu quero e não faço questão que ninguém saiba. Aliás, até resisti um pouco a escrever sobre isso. Não quero posar de boazinha. Quem me conhece e quem me lê, sabe que “boazinha” é tudo o que, definitivamente, eu não sou.
Mas como eu disse, quando você dá atenção aos seres invisíveis, é como se um holofote mirasse bem na sua cabeça.
Tem gente que passa e olha rapidinho, meio de lado, com a cara torta e eu posso quase ouvir o pensamento dizendo: “Velha maluca, passando a mão nesse vira-lata, credo”. Tem gente que passa com um sorriso complacente, que eu nunca sei se é de aprovação ou de pena, nem se é pena do cachorro ou de mim, por também me achar meio maluca. Tem um ou outro que acha bonito e vem dizer que acha bonito. Tem até gente que eu já conheci fazendo a mesma coisa que eu: e desses eu quero ficar amiga na hora, sem saber quem é, o que faz e o que pensa sobre todas as outras coisas do mundo. Só isso já me basta pra querer amizade com alguém.
Mas tem também um ou outro filho-da-puta que fica indignado e se acha no direito de protestar. É. Tem. Gente que se acha o supra-sumo da cidadania, o topo da cadeia alimentar, que não quer nem saber de onde o problema vem, nem de pra onde o problema vai. Só querem não ver o problema. Gente que diz:
- A senhora fica dando comida pra esses cachorros, é por isso que eles não saem daqui!
Esses falam isso só uma vez. Pelo menos pra mim, só uma vez. Porque olham pra um dedo apontado pra cara deles e ouvem um sermão que inclui rápidas citações a personagens históricos bacanas, como Adolf Hitler e expressões como “higienismo”. Não tenho certeza se entendem a mensagem. Mas saem resmungando e nunca mais me enchem o saco.
Mas tem um tipo que é, de longe, o pior de todos.
- Por que em vez de perder tempo com esse vira-lata a senhora não ajuda uma criança?
O pior tipo é o que diz isso, se achando cheio de razão. Um verdadeiro clichê de hipocrisia! Porque quem diz isso, você pode ter certeza absoluta, não ajuda nem cachorro e muito menos criança!
E eu ouvi isso de duas velhas um dia desses, domingo, fim de tarde. Antes de olhar pra elas eu já as queria esganar. E quando eu notei que as duas carregavam Bíblias, precisei me segurar pra não voar nos pescoços enrugados delas. Deviam estar indo lá pro culto, pra falar de Jesus pra cá e Jesus pra lá. E desconhecem o sentido prático mínimo daquilo que dizem pregar.
Pra ficar claro: não tenho nada contra quem carrega Bíblia. Seja o velho ou o novo testamento. Carregando ou não um terço junto. Como não tenho nada contra quem carrega o Alcorão, a Torá ou o Livro dos Espíritos. Mas tenho tudo contra patifes abrigados sob a aura de “santificação” de todas as religiões, seitas e congêneres. E, em todas elas, há patifes. Ô, se há!
O negócio é o seguinte. Essa história de “ajudar o próximo”, seja lá quem for o próximo, antes de mais nada não pode ser regra, nem obrigação. Isso é uma coisa que vem de dentro, que a pessoa só tem que fazer se sentir vontade verdadeira. E que cada um faça aquilo pelo que o coração bate. E para o que tem aptidão! Tem gente que cuida de criança, tem gente que dedica tempo pra idosos nos asilos, não tem? Tem. Tem gente que socorre viciados em crack, tem gente que dá assistência a detentos, não tem? Tem. Tem gente que vai aos hospitais de crianças com câncer, brincar com elas e contar histórias, não tem? Tem. A Karina Lima faz isso. Não é o máximo? É, é!
Eu recolho gatos e cuido de cachorros de rua, não posso?
E tem uma coisa que eu acho muito curiosa hoje em dia. Fala-se muito em “ecologia”, né? O tempo todo, em toda parte, em todos os canais da tal da “mídia”. Qualquer amebinha com dois neurônios se diz ecologista! Muita gente preocupada com o mico leão dourado, com os pandas que vivem lá no cu do mundo. Muita gente querendo salvar o planeta, divulgando coisas imbecis como fazer xixi no banho pra não gastar água (!) e um monte de retardados levando a sério (!!). Gente que acredita nas abobrinhas sobre o tal do “aquecimento global”, ô inferno, que tédio!
Mas eu sei que tem muito ecologista de boutique hoje em dia que é incapaz de socorrer um cachorro com ferido ou com fome. São os revolucionários de poltrona. Um bando de hipócritas.
Também não consigo entender o que vai na cabeça de uma pessoas que compra um cachorro! Eu até, com algum esforço, entendo quem vende. Bem ou mal a pessoa está trabalhando, ganhando seu sustento. E isso, justamente, só porque há quem compra! Mas um pai ou uma mãe, que compra um cachorro pro filho, pra começar – e só pra começar – não está ensinando nada que preste pra criança! Porque você pode comprar um videogame, uma bola, uma bicicleta. Mas não um amigo!
E nem me venha você com aquela ladainha de que nada adianta cuidar de meia dúzia de cachorrinhos, que isso é um problema de todas as cidades, que eu estou enxugando gelo, que quem deveria cuidar disso é o “governo” e blábláblá. Eu faço o que eu posso. Eu faço onde os meus olhos alcançam. Eu mudo alguma coisa, pelo menos, em volta de mim.
E você, que não faz nada?
Se ela não tivesse escrito esse texto, certamente eu teria. rs.
Vale a pena ler!
Muito bom, não é?
Bjo,
Claudia Pinelli.
Olá, Cláudia. Em nome de Dona Stella agradecemos a reprodução do artigo e a divulgação de nosso blog. :)
ResponderExcluirVisite-nos sempre.
Beijo pra vc.
Aplausos!!!!
ResponderExcluirMulherices
ResponderExcluirDigo isso a você: volte sempre...
E conte comigo para a divulgação de belos textos como este.
Bjo.
Mari:
ResponderExcluir:o)
Bjk.